sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Primeiro Ato - final.

Voltando para casa, fiquei pensando nesse fim de noite místico. Teria sido um sacode do divino, ou uma explosão do acaso?

Sinto-me diferente. Sinto que as coisas precisam ser mudadas. Sinto também que eu serei o precursor dessa mudança. E como toda mudança efetuada nessa rotina melancólica, o medo e a insegurança vêm como uma grande onda para arrebatar toda força e firmeza que o cotidiano construiu nesses anos. Longos anos.

Tenho que mudar. Tenho que renovar, reinventar. Estou com a faca e o queijo. Sempre estive, só faltava uma certa iluminação, ou algo totalmente inesperado para o primeiro impulso.

Respirando fundo novamente, já sinto um novo ar preenchendo-me. Cheguei ao ponto extremo do meu antigo caminho. Nebuloso, sombrio. Já consigo ver outro, na verdade vejo vários. Mas nenhum deles me dá um foco claro de futuro.

Merda.

Vi um clarão e com certeza não foi idéia ou luz divina. Tomei a porra de uma multa. Bom, não importa o caminho do recomeço, já comecei mal. Voltei para a caverna. Como diria Platão.

Finalmente cheguei em casa. Pelo corredor, fui direto ao quarto do meu filho. Definitivamente o amor da minha vida. Pergunto-me se sou um bom pai. Tenho medo da minha própria resposta. Da porta consigo ver seu rosto. Lacrimejo. Limpo logo meus olhos. Odeio demonstração de sentimentos tristes. Pena, raiva, angústia, remorso. Suspiro. Me dirijo ao banheiro, lavo meu rosto, troco de roupa. Ao deitar, consigo enxergar na penumbra os longos cabelos de minha esposa. Os coloco de lado e, suavemente, passo meus lábios em sua nuca. Seus pêlos arrepiam. Por um momento seu corpo retesou, em um susto frio pela surpresa. Após virar-se lentamente, com uma rouquidão de alguém que acabou de acordar, diz:

- Você quer me matar? E isso é hora? Amanhã, quanto te acordar cedo, não quero cara feia!

Apesar do tom de bronca, senti carinho na voz dela. Aqui, nessa situação, sinto que iniciei o primeiro ato da minha mudança, da minha nova vida. Abri caminho no caos do meu relacionamento.

- E o que você quer me assustando assim? Quando vem de carinho é que quer alguma co...

Cortei com um beijo. Um daqueles da primeira semana de namoro. Meu impulso e toda aquela vontade me deixaram, de certa forma, constrangido. Meus braços a envolveram com um impulso animal. Estou nervoso, como se fosse a primeira vez que estivéssemos fazendo isso. O beijo começou a ficar forte, intenso, como um trem que não pode parar. Respiração pesada. Seus braços se tornaram abraços. Suas mãos me apertaram com vontade. Passando a unha em minhas costas, fez com que um frio gostoso invadisse minha espinha. Nossas pernas se entrelaçaram. Sinto calor. Seu corpo está quente. Sua pele macia tocando no meu corpo, me deixando ainda mais excitado.

Com um movimento, levou seu corpo esguio acima do meu. Jogou a camisola para qualquer lugar do quarto. Seu corpo branco era visível no escuro da noite. Voltou a me beijar, agora com mais intensidade. Perdemos a noção de carinho, agora só selvageria. Intensidade. Fui desengonçado ao tirar as calças. Mas não importa. Pra nenhum dos dois. Não agora. Ao sentar, nos enroscamos novamente. Éramos uma poesia violenta, marcante, erótica. Houve o encaixe. Sensação a muito esquecida. Nos tornamos um. O primeiro gemido soou apenas como um sussurro ao pé do meu ouvido. A dança de nossa paixão. Apenas paixão. E nesse ritmo a noite foi curta, pois apenas percebemos quando acabou, com o som do despertador.

Banho com mais carinhos, troca de roupa, café da manhã e sorriso no rosto. Mais um dia. Não com os outros. O dia do primeiro passo, do meu primeiro ato.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Palavras de um Parênteses Qualquer...

O alarme está tocando. Que tal desligar? Ok.

Todo dia quando acorda fica mais tempo do que deveria na cama. Fica com os olhos semi-abertos, encarando o teto numa vontade preguiçosa de ser alguém. E depois fecha os olhos, e espera com a perna balançando de impaciência.

O alarme está tocando outra vez.

Um suspiro profundo, a mão alcança o celular e desliga o segundo alarme. Só assim pra levantar, com dois alarmes diferentes. Diferença de 10 minutos entre eles. Nada de muito interessante.

Um último esforço. Um último fechar e abrir de olhos. Ele nem se estica, só levanta, jogando a coberta pra longe. A coberta e toda sua vontade, e sonhos não lembrados da noite mal dormida.

Incrível como tem gente que sonha todos os dias, ou melhor, todas as noites. Deve até ser gostoso. Sonhar seus quereres, seus desejos e tudo aquilo que você... bom, que você sonha. Ele não. Sempre um emaranhado de coisas na cabeça, nunca uma idéia clara, e nunca um sonho. Nunca também não, mas que é difícil, isso é. Menos quando está acordado. Sempre com o olhar no vazio, no longe, no sonho, filtrando algumas das coisas que se passam nesse turbilhão.

Muito tempo atrás, quando a cabeça não era tão confusa, as idéias fluiam como um rio caldaloso em dia de chuva de verão. Suave, mas forte e com vontade. Acordado, dormindo, de olhos abertos ou fechados. Mas tinha uma diferença. Sempre que fechava os olhos chegavam as imagens estranhas, coisas que os estômagos fracos nem gostariam de ter uma linha sobre, e ele sempre, mas sempre mesmo, tinha aquelas cenas na cabeça. Mas só quando fechava os olhos. E quando ficava sozinho. Grande problema.

Olha o horário, você tá atrasado.

Lava o rosto, limpa o olho. Olha pra fora, e vai embora!

autor: Malka


p.s. amanhã, se tudo der certo, a última parte do primeiro ato será lançada.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Primeiro Ato - segunda parte.

Depois de mais um dia de trabalho honesto e sagrado, decido que hoje mereço de um gole pra me sentir feliz ou, pelo menos, ter essa ilusão. Pego meu carro, ponho um cd antigo onde encontro clássicos do blues que conseguem expressar como eu me sinto. Dirijo até um pub antigo, um recanto de música boa e bebidas caras. Realmente preciso de um gole pra libertar esse peso das coisas que carrego em minhas costas.

Entro no pub. Um Jazz de melodia triste conduz o ambiente a um clima charmoso. Ao sentar, peço aquele duplo sem gelo. Meu cigarro cospe uma fumaça que preguiçosamente desaparece. Ponho meu chapéu sobre o balcão. Meu chapéu de estimação. Uma das minhas relíquias. Brinco com as cascas dos amendoins que mastigo. Um cowboy pára em minha frente. Divago como minha vida está chegando à conclusão que esta se parece com uma dança descompassada: Por mais bela que fosse a música, o espetáculo seria grosseiro. O gole foi grande o suficiente pra que eu fizesse uma careta.

Um homem de meia idade, calvo e um pouco acima do peso, parou ao meu lado e pediu duas cervejas. Olhou-me e deu um sorriso simpático, como se quisesse iniciar uma conversa enquanto espera as bebidas. Olhei para o outro lado enquanto tragava meu cigarro. Gargalhadas. Talvez causadas por embriaguez, talvez a demonstração ou imitação de contentamento após uma piada sem graça. Percebendo minha solidão e como anda minha vida, pensei que poderia ser a vítima dessa gargalhada esdrúxula – eu posso ser a tal piada. Mirei na pessoa que havia disparado aquele estrondo. Uma loira de olhos claros e dentes brancos. Seu olhar vivo demonstrava uma felicidade real, quase travessa. Acompanhada de um homem de aparentemente a mesma idade, se divertia após algumas doses. Mais um gole, mais um trago.

Olhei em volta mais uma vez. Nesse ambiente que cheira a boêmia, sinto-me refugiado. Como se meus imaculados problemas recusassem o lugar profano. Minha cruz fugindo do diabo. O fogo da bebida e a fumaça do cigarro exorcizando minha realidade. Peço outra dose. Cigarro queimado, outro na boca.

Observando, sinto-me observado. Grandes olhos castanho-escuros. Um rosto de expressividade firme, autoconfiante, sedutor. Tudo emoldurado por longos e lisos cabelos pretos. De sua boca rosa e delicada surgiu um sorriso enigmático, provocativo. Matei meu copo em um gole. O barman servia novamente. Esse momento de distração foi o suficiente para perdê-la de vista. Teria ido embora? Não me forcei a procurar. Nem precisei. Um doce e venenoso perfume arrebatara-me. Sua presença repentina e o poder de sua atidude esmagaram qualquer defesa, qualquer resistência minha. O demônio sorria para mim. A conversa começou com um “ posso me sentar ao seu lado?”.

O Impacto passou e aquela velha e boa sensação de conquista surgiu. Depois que o impacto passou me sinto bem para prosseguir. Fluiu. A conversa e os joguinhos foram acontecendo de forma espontânea e duraram mais do que consegui controlar ou imaginar, me fazendo perder a noção do tempo. Tinha que voltar pra casa. Esse “happy hour” demorou mais que imaginava. Ou podia. Comecei com aquele papo para promover minha retirada. Foi mais difícil que imaginei. Não conseguia, estava preso em sua teia de sedução e boa conversa. Sua presença era muito forte, além de ser muito gostosa. Faz muito tempo que isso não acontece comigo, se é que já aconteceu e, se já, nunca dessa maneira.

Quando comecei a me despedir, aconteceu o clima. Meu coração estava mais rápido que meus pensamentos. Tenho que ir. Fui beijar seu rosto como um último cumprimento – ou um agradecimento pela noite agradável que a muito não tinha. Ela se virou e meus lábios tocaram os dela gentilmente. Rápido e suave como um romance de verão. Apenas um roçar, um toque, seguido de um sorriso. Esse demonstrava vontade, desejo, queria mais. E não era apenas por parte dela.

Mas não posso me permitir a isso. Não posso fazer isso com quem amo, apesar da minha situação conjugal. Além do meu filho. Isso realmente não é um exemplo de hombridade que posso dar, já bastou o que tive que passar com meu pai. Sorri de volta, peguei meu chapéu e simplesmente fui. A deixei sem olhar para trás. Ao sair, mais um cigarro. Mais um suspiro. Liguei o carro. Fui pra casa.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Primeiro Ato


32 anos de idade. Funcionário público na terra dos funcionários públicos, ou seja, sem expectativa ou realização profissional. Apenas conformidade e rotina, mas pelo menos tenho o pão de cada dia. Uma esposa e um filho. 13 anos de casado e um moleque de 10. Ele me chama de velho... hmmm! Estou bem pra idade que tenho. Afinal, quem não tem uma barriguinha?

Ela entra no quarto. Cabelos castanhos e longos. Começam ondulados e terminam em grandes caracóis. Ela está bem pra idade que tem. É sério, dessa vez é sincero. 29 anos e uma linda bundinha. Ela olha pra mim com aquela cara de desagrado, a mesma que vejo a pelo menos uns dois anos, quando tudo começou a desandar.

-Você não vai levantar, não?

Respondo a ela com um sorriso sarcástico. Não que eu tenha deixado de amá-la, mas esfriou muito com o tempo. Erro dos dois. Deixamos passar muita coisa. Importamo-nos de menos. Quando percebemos, Bum! A bola de neve veio e nos abateu. Mas não importa agora. Como nunca importou. Somos apenas mais uma família comum em sua constante crise e isso, ultimamente, têm conseguido me irritar pra caralho.


- Estou indo, meu bem.

Esse é basicamente o maior diálogo que temos em dias comuns, excluindo, é claro, os cumprimentos. Tentamos ser educados na maior parte do tempo. Temos que ser um exemplo pro moleque.

Pego minhas roupas e vou pro banho. Costumo gastar 20 minutos em um dos meus maiores prazeres do dia. Claro que trepar é o maior deles, mas não faço um daqueles bem feitos há tanto tempo , que nem o considero mais. Agora pra mim, sexo no casamento não passa de um mito. Tomo um café fumando meu cigarro encostado na janela. Meu garoto chega com cara de sono e uniforme do colégio. O rosto de puto por ter acordado cedo me faz bem, porque assim não me sinto o único preguiçoso.

- Bom dia pai da cara amassada.

- Bom dia babador de travesseiros.

Enquanto ele senta-se à mesa, recarrego meu café e sento na frente da TV pra ver e, se possível, imaginar como vai ser meu dia hoje. Quente, pra variar. Assassinatos corriqueiros, a política fabulosa do nosso país. Nada que me agrade. Mudo pro desenho animado. Tarde de mais, temos que ir. Deixar a mulher no trabalho, o moleque no colégio e ir pro melhor emprego do mundo – o sonho de muitos por aqui e meu pior pesadelo. Redigir redações oficiais de algum babaca superior e bater carimbos. Emocionante.