sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Contra.Tempo



Ele sussurra para ele mesmo uma canção com palavras que falam sobre o amor. Dirige-se a loja de doces. Sabor do beijo. Aquela bala de sabor melancia. Pergunta se merece aquela paz que ela proporciona a ele. Acha justo, pois sempre sofreu por amor. Acha, com seu otimismo puro, que dessa vez pode dar certo. Ainda canta a música, mas não lembra o nome. Lembra que estava no carro ao lado dela, quando esta tocou pela rádio. Repete o refrão, que descreve com quase perfeição a noite passada. O que ele sentiu. Do canto da boca sai um sorriso. Estranha, por um momento, a sensação que para ele não lhe é totalmente desconhecida, mas bem diferente das antigas. Sempre diferente. Ainda não chegou a uma conclusão. Sabe apenas que vai vê-la naquela noite novamente. Sente um calor envolvente que trespassa a espinha chegando a seu rosto. Rubor notável. Compra a bala e o chocolate favorito dela. Meios de agradá-la como que para retribuir o bem que ela fez a ele.

Sentado no carro, suspira ao olhar para o lado. Sua memória traz a cena à tona. Quase viva, palpável. Consegue sentir sua mão firme no rosto delicado dela. Sente a mão dela tocando seu peito. Acalantando seu coração. Corpos se aproximando de forma natural, espontânea, até um pouco desengoçado devido ansiedade. O olhar arrebatador dela que dá vontade de mergulhar. Ali, preso a esse momento, sabia que já estava entregue, que foi abatido, dominado. Outro sorriso. Voltou a cantar quando o carro se pôs em movimento. Batucando no volante, seu nervosismo é transparente.

O trânsito está conturbado, como sempre nesse horário de fim-de-tarde. Quase não se desloca. Seu carro está imundo e na rádio toca músicas que ele não gosta. Mas ele não se importa, apenas viaja nos pensamentos e expectativas sobre a noite de hoje. No café com clima charmoso e romântico que a convidou. Sobre o que conversariam. Sobre como agiria. Irritado com vagarosidade que estava a rua, decidiu que ainda daria tempo de passar naquele sinal amarelo. Respirou fundo e acelerou. Uma piscada. A visão periférica acordou seu reflexo. Deu tempo de olhar para o lado esquerdo do carro e ver o ônibus verde se aproximando. Rápido demais. Primeiro veio o estrondo. O deslocamento rápido do carro com a batida o atordoou. Dor forte no peito. A fumaça irrita seus olhos. A dor aumenta ao passo que sua respiração fica ofegante. Sente a adrenalina correndo após ver que em seu peito havia uma barra de ferro. Mais dor no peito. Respira com dificuldade. Sente seus pulmões se enchendo de água. Enquanto se afoga em sangue pensa que ele vai se atrasar pro encontro. Que ela vai se chatear com seu atraso.

...

Ela divaga enquanto mexe o café. A noite passada havia sido mágica. Era quase um roteiro daqueles filmes de comédia romântica. Ele com seu jeito bobo e desleixado a fazia rir.  Por muitas vezes, quando ficava sem graça, ele esbarrava e tropeçava. Seu jeito de menino era seu charme. Mas ele não estava lá. Já fazia uma hora que ela estava sozinha esperando. Tempo suficiente para ela chegar a conclusões. Que ele não apareceria. Começou a pensar sobre os homens, sobre como a maioria age. Suas desilusões passadas a levam a acreditar que ela foi mais uma na vida dele. Que ele deve fazer isso com as outras. Conquistá-las com aquele seu charme e depois deixar a distância dar o recado. “Os homens não prestam”. Babaquice a dele em deixá-la esperando sem uma ligação, sem uma mensagem ou qualquer satisfação. “Os homens são todos iguais”. Uma breve lembrança do beijo de ontem cria um sorriso triste em seu rosto. Paga a conta e se levanta. “Cansada dessa vida”.