domingo, 9 de outubro de 2011

Amada

Lá está ele, sentado em escadas de um prédio comercial, sozinho, cigarro na boca e fones de ouvindo cuspindo letras pesadas diretamente pro seu cérebro. Seus pensamentos nada mais são que uma poça rasa na qual ele brinca com os dedos. Figura diferente das demais, não apenas por seu casaco preto e suas botas velhas, traz consigo um semblante sério e corpo curvado, que demonstram, de certa forma, suas experiências de vida, mesmo que sentado com seu jeito relaxado, caricato. Olha pro céu, naquela noite escura, procurando estrelas, mesmo com o céu coberto de nuvens. Os árabes dizem que não importa o tamanho das nuvens, pois sempre haverá um céu estrelado. Assim, procura. Estranhamente com um sorriso no rosto ou, talvez, um sorriso estranho.
De repente, seu corpo se alonga, como numa espreguiçada bizarra, espontânea. Joga a bituca na rua e, com um visível esforço, levanta. Caminha aparentemente sem rumo, de cabeça baixa. Um gingado meio mole, mas sem muitos movimentos, marca seus passos. Mãos nos bolsos do casaco, contraindo e relaxando, demonstrando tensão ou aflição, talvez até uma vontade, mas ele mesmo não sabe o que faz. Só permanece com as mãos dentro dos bolsos, escondendo essa mania que tem. Passos sem rumo, mas que lhe fazem bem. Ainda não pensa em nada específico.
E, enfim, ela aparece.  Sua expressão séria se desfaz. Parado, olha mais uma vez pra cima, mas agora com mãos livres, abertas. Ela faz bem pra ele de forma que poucos entendem, que poucos sentem. Pega mais um cigarro e continua sua caminhada, sabendo que quanto mais caminha, mais vai em direção a ela. Sente o vento lhe acariciando o rosto, que agora está erguido, aparentando orgulho, uma pitada de leveza. Já é possível senti-la, fazendo seu corpo se arrepiar violentamente, mas sente prazer... Seus pensamentos agora acham um foco, indo em direção a prazeres sexuais misturados com álcool. Nestes momentos, nos quais surfa em lembranças e pensamentos, é quando ele se sente completo, perfeito, livre. Ela sempre fez isso com ele, sempre alimentou esse instinto. Por isso pra ele, ela é como um vício, uma droga que dá uma coisa única nele ou para ele. Se depara com seu carro e resolve sentar no capô, para continuar sentindo ela sobre seu corpo. Seu cigarro se apaga, joga fora, põe as mãos no carro e cabeça pra cima. Está quase trepando nesse momento, enquanto ela escorre pelo seu rosto, por seu pescoço e dentro de sua blusa. Pega sua chave e apenas vai embora. Pra algum lugar, qualquer lugar. Basta apenas que a chuva continue caindo. Acompanhado.

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