19 anos, corpo alto e esguio,
barba por fazer e roupas largas. Já deveria ter saído da prisão da
adolescência. Não apenas da prisão dos pensamentos, mas aquela que os pais
empregam. Isso o limitou bastante, pois essa privação não lhe permitiu ter as
experiências que tinha que ter passado. Assim, não é um cara dedicado muito a
pensamentos e reflexões, mas sim, em sentimentos. E por se sentir preso ao seu
quarto, seu pequeno mundo, cercado de jogos eletrônicos e playboys, passa,
então, a dedicar aos seus sentimentos e, atualmente, se dedica a raiva. Raiva
de suas limitações. Mesmo sem a vivência, que sabe que deveria ter, percebe em
si uma imaturidade não natural. Sabe, também, que a forma como os pais lhe
trata como um pequeno menino ou grande idiota está errado.
Vive naquela rotina de
aula-casa-jogos-masturbação. Nunca teve uma mulher e, disso, só sentiu, até
hoje, o corpo de suas primas em abraços nas festas de família. Isso é outra
coisa que o perturba. Ultimamente anda pensando sobre essas coisas com uma
freqüência anormal, aterrorizante. Aumentando gradativamente seus sentimentos
ruins, alimentando seu desprezo por si mesmo. Isso porque observa os colegas,
com suas vidas absurdamente normais, falando sobre garotas, bebedeiras, noites
viradas, notas baixas e falta de grana. Tornava-se cada vez mais quieto, cada
vez mais fechado, mais revoltado.
Sua cabeça maquinava planos e
idéias para conseguir sair desse buraco. Tardes, que já foram dedicadas a jogos
e internet, agora passavam na cama, ele olhando para o teto com os pés na
parede, tentando achar uma fuga para aquilo. Tentava achar um jeito de provar
para seus pais que ele, com aquela idade e aquele tamanho todo, já era capaz de
se virar sozinho, que já estava caminhando a ser um homem. Mas quanto mais
pensava, mais nervoso ficava, pois ao pensar em “comos e ondes” mais percebia
que, de fato, essa sua prisão, surtiu um efeito muito grande nele. Cada vez
mais, suas conclusões o levavam a crer que, até agora em sua vida, não sabia de
nada profundamente, nada além de sua rotina. Daí partiram as dúvidas e, como
numa montanha russa, suas conclusões deram uma grande reviravolta. Notou que a
quem deveria provar alguma coisa, seria para ele mesmo.
Meses caminhavam, ainda em
conclusões vazias. A raiva era quase uma cólera. Ainda não conseguia reparar
essa situação, que o incomodava cada vez mais. Em tentativas recentes de tentar
fazer alguma coisa diferente, era mais repreendido, mais recriminado. Sentia a
cerquinha cada vez mais fechada, menor. Suas opções estavam acabando.
Num sábado, à noite, decidiu que
deveria sair com seus amigos, seus colegas. A resposta que recebeu se limitou a
apenas um “não” que seu pai praticamente a cuspira enquanto assistia à
televisão. Sem ao menos o olhar na cara. Sem um pingo de respeito. Limitou-se a
abaixar a cabeça e ficar parado ali, respirando abrutalhadamente de raiva. Àquele
instante pareceu uma eternidade, sua cabeça rodava em milhões de pensamentos
pesados e carregados de raiva e rancor. Encaminhou-se a cozinha, com aquela
tranqüilidade que só o desespero é capaz de dar. Abriu a gaveta de talheres e
pegou uma faca que sua mãe usava para limpar a carne. Olhou seu reflexo nela.
Viu sua imagem e sentiu ainda mais seu remorso, sua fraqueza.
A mãe entra na cozinha e se
depara com essa cena. A cabeça dele virou calmamente, sobrecarregada de tensão
e terror. Era tão forte que era praticamente palpável. Na porta da cozinha, sua
mãe gemia em desespero. O som fez o rapaz sorrir e seu pai despertar. Veio
resmungando um “mas que porr...”, mas ao visualizar a peça que ali encontrava,
parou, chocado. Ainda sorrindo, ele estende seu braço esquerdo fazendo com que
a manga de sua blusa deixasse seu braço nu. A faca empunhada na mão direita se
dirige tranquilamente no pulso desprotegido. Ele ainda sorri, um sorriso que
demonstra vários sentimentos, várias core. Seu pai teve o ímpeto de dar um
passo, mas bastou um olhar do rapaz para que o impedisse. A faca encostada no
pulso passa a deslizar pela parte desprotegida do braço. Um pouco mais de força
e a primeira gota começa a escorrer pelo braço. Ele ainda sorri. A mãe desliza
pelo portal, caindo de joelhos perante o desespero. O pai balbucia alguma
coisa, mas pouco se entende. A faca mais uma vez dança, mais um corte, mais
sangue. Agora é silêncio e dor. O corte foi mais profundo, o que
incondicionalmente fez os olhos dele lacrimejarem, mas seu rosto permanecia o
mesmo, ainda com aquela expressão. Aquele pânico causado só o alimentava mais.
Teve ali uma sensação de controle que nunca sentiu, era reconfortante, forte.
Outro corte foi criado, dessa vez maior, mais comprido. Sua mãe segurava o
rosto com as duas mãe, tapando os olhos perante sua impotência. Ele olha para
ela tentando provocá-la mais. Essa distração foi suficiente para que seu pai o
atacasse. Segura seu braço e lhe desfere um soco na cara, causando um reflexo
no garoto, um impulso. Os dois caem no chão, agora há sangue na camisa do pai. Mais
um soco na cara atordoa o rapaz, amolecendo a força de sua mão, deixando a faca
cair. Outro soco na cara.
Agora ele está lá, sentado
novamente no quarto. Não no seu quarto. Não tinham seus games e pôsteres, nem
seu armário com garotas nuas em revistas. Apenas uma cama e uma janela. Braços
amarrados. Estava só. E sua boca, sem alguns dentes, ainda pronunciava aquele
sorriso...