Ele sussurra para ele mesmo uma
canção com palavras que falam sobre o amor. Dirige-se a loja de doces. Sabor do
beijo. Aquela bala de sabor melancia. Pergunta se merece aquela paz que ela
proporciona a ele. Acha justo, pois sempre sofreu por amor. Acha, com seu
otimismo puro, que dessa vez pode dar certo. Ainda canta a música, mas não
lembra o nome. Lembra que estava no carro ao lado dela, quando esta
tocou pela rádio. Repete o refrão, que descreve com quase perfeição a noite
passada. O que ele sentiu. Do canto da boca sai um sorriso. Estranha, por um
momento, a sensação que para ele não lhe é totalmente desconhecida, mas bem
diferente das antigas. Sempre diferente. Ainda não chegou a uma conclusão. Sabe
apenas que vai vê-la naquela noite novamente. Sente um calor envolvente que
trespassa a espinha chegando a seu rosto. Rubor notável. Compra a bala e o
chocolate favorito dela. Meios de agradá-la como que para retribuir o bem que
ela fez a ele.
Sentado no carro, suspira ao
olhar para o lado. Sua memória traz a cena à tona. Quase viva, palpável.
Consegue sentir sua mão firme no rosto delicado dela. Sente a mão dela tocando
seu peito. Acalantando seu coração. Corpos se aproximando de forma natural, espontânea,
até um pouco desengoçado devido ansiedade. O olhar arrebatador dela que dá
vontade de mergulhar. Ali, preso a esse momento, sabia que já estava entregue,
que foi abatido, dominado. Outro sorriso. Voltou a cantar quando o carro se pôs
em movimento. Batucando no volante, seu nervosismo é transparente.
O trânsito está conturbado, como
sempre nesse horário de fim-de-tarde. Quase não se desloca. Seu carro está
imundo e na rádio toca músicas que ele não gosta. Mas ele não se importa,
apenas viaja nos pensamentos e expectativas sobre a noite de hoje. No café com
clima charmoso e romântico que a convidou. Sobre o que conversariam. Sobre como
agiria. Irritado com vagarosidade que estava a rua, decidiu que ainda daria
tempo de passar naquele sinal amarelo. Respirou fundo e acelerou. Uma piscada.
A visão periférica acordou seu reflexo. Deu tempo de olhar para o lado esquerdo
do carro e ver o ônibus verde se aproximando. Rápido demais. Primeiro veio o
estrondo. O deslocamento rápido do carro com a batida o atordoou. Dor forte no
peito. A fumaça irrita seus olhos. A dor aumenta ao passo que sua respiração
fica ofegante. Sente a adrenalina correndo após ver que em seu peito havia uma
barra de ferro. Mais dor no peito. Respira com dificuldade. Sente seus pulmões
se enchendo de água. Enquanto se afoga em sangue pensa que ele vai se atrasar
pro encontro. Que ela vai se chatear com seu atraso.
...
Ela divaga enquanto mexe o café.
A noite passada havia sido mágica. Era quase um roteiro daqueles filmes de
comédia romântica. Ele com seu jeito bobo e desleixado a fazia rir. Por muitas vezes, quando ficava sem graça,
ele esbarrava e tropeçava. Seu jeito de menino era seu charme. Mas ele não
estava lá. Já fazia uma hora que ela estava sozinha esperando. Tempo suficiente
para ela chegar a conclusões. Que ele não apareceria. Começou a pensar sobre os
homens, sobre como a maioria age. Suas desilusões passadas a levam a acreditar
que ela foi mais uma na vida dele. Que ele deve fazer isso com as outras.
Conquistá-las com aquele seu charme e depois deixar a distância dar o recado. “Os
homens não prestam”. Babaquice a dele em deixá-la esperando sem uma ligação,
sem uma mensagem ou qualquer satisfação. “Os homens são todos iguais”. Uma
breve lembrança do beijo de ontem cria um sorriso triste em seu rosto. Paga a
conta e se levanta. “Cansada dessa vida”.